Memórias: Respondendo respostas

Eu ando numa crise. Não de identidade, pelo menos, mas de acontecimentos na minha vida que inevitavelmente também afetam a minha produção e interpretação literária. Fico com a sensação de que antes eu era mais inteligente porque eu me esforçava mais pra ser mais inteligente, não tinha essa mente tão exausta que não consegue abrir um livro pra ler com frequência. Quer dizer, eu nunca fui desses leitores conseguem ler dezenas de livros por mês, até porque meu cérebro naturalmente não sabe processar nada que seja rápido demais, nem áudio acelerado do WhatsApp. Enfim, acho que o tipo de comparação mais angustiante é quando a gente se compara com nós mesmos em algum outro momento das nossas vidas. Principalmente se a gente tem essa ciência de que inconscientemente modificamos as nossas memórias.

Daí que eu pensei em revisitar um dos meus blogs antigos, e aproveitar pra responder atualmente os mesmos questionários sobre escrita que eu respondia na época. Eu fazia vários desses, até porque eu tinha muito mais ego pra isso, apesar de a depressão estar desde sempre ali, anônima, mas transbordando em tudo o que eu escrevia anyway.

Encontrei dois questionários que eu considerei responder no presente aqui, mas um deles tinha umas perguntas longas e chatas demais — porém me surpreendeu com o tanto de respostas que eu daria hoje também, basicamente a maioria. Não acho que é porque eu não tenha mudado, até porque eu vejo nessas respostas antigas um orgulho que eu sou incapaz de ostentar hoje, aquele orgulho dourado da ignorância da juventude, que é simplesmente irrecuperável; acho que é porque eu já conseguia expressar mais essa minha essência baseado nas coisas que eu estudava e consumia, nos meus traumas recentes na época também. Sabe? Acho que ali foi o ponto de partida do meu estilo, eu já tinha um rascunho e via nele as formas que eu queria, e durante todo esse tempo até agora eu fui aprimorando, modificando e detalhando esse estilo.

Enfim, o questionário que escolhi responder de novo aqui tem perguntas mais objetivas. Na época, eu já tava dentro do mundo LGBT+, mas eu tinha problemas em me entender como pessoa LGBT+ por causa do preconceito mesmo, era exatamente o auge da minha crise de identidade, em que eu me via bem mais confortável escrevendo no masculino e usando roupas sem gênero, ao mesmo tempo em que me recusava a admitir qual era a minha sexualidade e guardava minhas suspeitas de identidade de gênero — por isso todas as respostas antigas estão no feminino. Mas o meu pronome atualmente ainda é “ele” — e foi mais ou menos um ano ou dois depois desse questionário que eu me assumi publicamente como genderqueer e comecei a usar o pronome “ele” como neutro pra mim, já que na época não tinha isso de “elu” ainda (e eu não ia usar de qualquer forma).

Ok, sem mais enrolações:

16 de Novembro de 2012–12:22 PM

Qual foi a última coisa que você escreveu?

A terceira Eixos, cartas de Gautier, da série The Rover’s Trail.

2023: A última coisa que escrevi foi Reencontro I & II, da série Roads of Trust.

A série The Rover’s Trail é uma série bem no estilo da Roads também, onde eu escrevia contos curtos e fora de ordem — mas era uma série sobre piratas. Eu cheguei a recomeçar a série por esses meses aí, porque ainda pretendo voltar com eles, mas nos últimos anos eu tenho me esforçado em organizar mais esse monte de histórias que eu tenho, e tento terminar antes de começar a escrever alguma nova. Ainda mais porque hoje em dia eu tenho focado em romances longos. Antes eu só fazia contos e novelas, e deixava meus romances inacabados.

Acha que ficou bom?

Acho que sim. Não consigo enjoar de escrever sobre o mar, fico em êxtase. No entanto, ela é curtinha, não tenho muito o que dizer.

2023: Respondendo sobre os últimos episódios da Roads que escrevi, não sei se ficaram bons. Já pensei em apagar tudo e escrever de novo mais de uma vez, e até o momento continuo mexendo na revisão. Mas também não sei dizer se ficaram ruins. Acho que ficaram meio sem sal, sem gosto, na verdade. Porque as imagens na minha cabeça me deixam muito mais emocionado do que o texto em si. E eu escrevi esses dois episódios num período bem ruim, então tive que forçar bastante meus neurônios e tentar me manter inspirado pra entregar alguma coisa minimamente decente.

Mas eu fui lá caçar e reler essa tal de Eixos III, da série de piratas, pronto pra criticar plenamente (porque detesto a minha verborragia afetada dessa época). Só que, de fato, não me pareceu ruim também não. Quer dizer, a gramática e a sonoridade tão terríveis na maior parte, é um microconto que não funciona por conta própria (como história separada da série), porém acho que seria só arrumar se eu pretendesse usar isso de novo algum dia.

O conto inteiro é bem curtinho, então vou colocar ele aqui:

Querido Olivier,

Perguntaste-me certa vez o porquê de minhas vagâncias tão longínquas, o porquê de não poupar-me do sereno quando poderia haver o repouso de minha própria cela.

Tenho-me há tanto tempo revezado às correntezas, e comigo tantos intuitos; mas até facear tuas palavras, não sabia de minha razão, que me leva e me desapega de todos os cantos que perscrutei.

Sou, talvez, como as ondas, querido Olivier; ondas que sempre se achegam à areia e sempre se devolvem à imensidão, molhando todas as terras, seja de amabilidade ou fereza, e que, enfim, a nada pertencem senão a elas mesmas. Aqui e ali, sempre há algo que as excita, fere, faz espumar; e, no entanto, estão constringidas neste orbe, do qual não veem nem a Deus, ou qualquer outra esperança.

Eis pelo que persiste minha errância, criança: Não há lugar no mundo ao qual eu pertença, nem lugar que me faça pertencer.

Mas eu sinceramente nem sei mais quem era o personagem que tava escrevendo e pra quem ele estava escrevendo.

Qual é a primeira coisa que você escreveu e ainda guarda?

Meu primeiro romance/ sci-fi, August15.

2023: Foi o primeiro romance que eu escrevi no Word, na verdade, em 2001–2002. Mas a verdade é que desde antes eu gostava de ficar escrevendo histórias de heroínas guerreiras poderosas no papel mesmo. Esses já são irrecuperáveis, embora eu tenha ainda alguns cadernos de escritos antigos aqui.

Escreve poesia?

Depende. Pessoais, raramente. Gosto mais de fazê-los de acordo com os personagens.

2023: Escrevo bastante poesia. Pessoais, constantemente. É que às vezes, por exemplo, eu tô de boas enchendo um copo de água e do nada me vem uns versos legais na cabeça e eu tenho que anotar.

Meu jeito de escrever nessa época era engraçado, mesmo em um post de um blog pessoal. “Fazê-los”. Eu tava no auge do meu orgulho em me sentir culto porque eu só lia livros difíceis, de época, e tentava replicar esse tipo de escrita nas minhas histórias. Como eu passei a vida inteira sendo chamado de burro direta ou indiretamente, e tinha acabado de sair do supletivo e entrado na faculdade, eu lembro de pensar claramente nessa época que: “vou estudar muito essas coisas, provar pra todo mundo que pisou em mim que eu sou inteligente e consigo ter sucesso fazendo o que eu quero, escrevendo!”.

Se eu pudesse voltar no tempo… acho que eu diria pra mim mesmo pra pegar mais leve, mas não teria coragem de dizer que deu errado. Quer dizer, eu ter sonhado tão alto foi o que me fez cair e me estabacar dessa altura toda, mas eu não sei se eu teria coragem de tirar os meus próprios sonhos dessa época, porque era tudo o que eu tinha. Foi basicamente o que me ajudou a lidar com um bocado de coisas naquele período.

Poesia angst?

Sim.

2023: Sim.

Pra quem não sabe, angst é uma espécie de drama. Segundo o artigo da Wikipedia: Angst é uma palavra alemã, dinamarquesa, norueguesa e holandesa para medo ou ansiedade. É usada para descrever um conflito intenso. O termo Angst diferencia-se da palavra Furcht (“medo” em alemão), que se refere normalmente a uma ameaça material, enquanto Angst normalmente é uma emoção não direcional.”

Acho que angst ainda é o que eu mais escrevo independente do que eu escreva.

Gênero favorito de escrita?

Angst, mistério, fantasia e fábula.

2023: Angst, drama, slice of life, mistério, terror, gore, sci-fi, contemporâneo, época, erótico e contos de fadas.

Eu gosto de tentar todos os gêneros, mas é que eu nem me lembro da última vez que escrevi alguma fantasia. Quando escrevo, geralmente ou cai no terror, ou na vibe de contos de fadas. Agora a fantasia clássica de mundos ao estilo Terra Média e tal eu praticamente nunca faço. Até porque não é mais o tipo de história que eu consumo tanto enquanto leitor e espectador. Livros de fantasia até me dão uma preguicinha, embora eu adore isso nos jogos. Deve ser mais porque me saturou mesmo. Até porque eu comecei escrevendo histórias de fantasia.

O personagem mais divertido sobre o qual você já escreveu?

Difícil escolher só um, mas meu favorito acaba sendo o Dominique (Le Portrait D’un Désir). Ele tem toda uma classe em ser cômico, além de ser macho desmunhecado, importunar todo mundo e fazer os comentários mais absurdos. O Blake (The Rover’s Trail) vai pelo mesmo caminho. Mas também adoro o Sandro (Roads of Trust), além da minha cria com a Lahy (o Makoto, o Camille).

2023: Acho que mantenho esses personagens, apesar de vocês só conhecerem o Sandro da Roads. Eu adicionaria o Branden, da Roads também, porque solto uns risinhos pelo nariz só de imaginar as cenas dele; e o Alessandro de Meus Dois Amantes.

Essa tal de Le Portrait D’un Désir é uma das minhas histórias mais antigas e que eu pretendo reescrever. Foi inspirada n’O Retrato de Dorian Gray antes mesmo de eu ler, porque foi a Lahy que me deu mais ou menos a ideia. Mas é aquele tipo de história que, embora tenha tido vários capítulos, eu não tinha a maturidade e os conhecimentos que essa história pede, sabe?

O personagem mais importuno/ irritante com o qual você escreveu?

Dominique e Blake. Nem preciso pensar duas vezes.

2023: Mantenho os dois, mas, como vocês não conhecem nenhum deles atualmente, eu vou dizer o Eric da Roads, e o Príncipe Mael de O Príncipe E O Menestrel, e o Theodore Farrell de Love At Midnight. Além de todos os personagens de Os Espinhos de Todas As Flores (acho que esses até ganhariam em enquete, por serem todos insuportáveis).

Algumas pessoas saem do sério com o Miguel de Meus Dois Amantes também, mas, além de ele obviamente ter sido feito pra ser problemático, acho que já fiz personagens tão mais propositalmente chatos que ele parece suave (o Eric mesmo supera as chatices do Miguel em um estalar de dedos).

O melhor plot que você já criou?

O melhor? Não faço ideia. Gosto de vários, cada qual tem um aspecto interessante em particular. Ainda assim, uma das obras publicadas das quais me sinto muito orgulhosa é In Absentia Mortis.

2023: Não sei. E eu tenho isso de que, na minha cabeça, os plots (enredos) parecem ótimos, mas depois que eu escrevo eu meio que estrago tudo, porque sinto que eu nunca encontro as palavras certas pra escrever tal história. Quando eu sinto que escrevi com as palavras ideias, o plot em si acaba não sendo grande coisa. E também fico oscilando nisso de me parabenizar e depois me humilhar pelas coisas que escrevo.

Mas In Absentia Mortis é uma história que eu pretendo reescrever também. Acho mesmo que é uma das melhores tramas que eu já elaborei — mas, de novo, na época eu não tinha as ferramentas intelectuais :P que essa história exigia. Então eu escrevi e tal, mas o texto ficou insuportavelmente prolixo. Já tentei só revisar, mas não tinha como revisar sem reescrever parágrafos inteiros, porque mudar uma palavra ou outra não tava fazendo o texto soar mais leve nem minimamente inteligível.

A melhor reviravolta que você já criou?

In Absentia Mortis. Com certeza é a melhor reviravolta.

2023: Hoje em dia eu não sei. Por mais que eu goste da reviravolta dessa história, não acho mais que seja grande coisa, nem que eu tenha feito alguma reviravolta que seja, sei lá, marcante e inesquecível pra mim e pra algum leitor.

O quão frequentemente você entra em bloqueio?

Muito frequentemente, mas não tanto quanto eu entrava nos anos anteriores. Geralmente dura algumas semanas.

2023: Não é muito frequente. Geralmente é uma vez por ano, e mesmo assim acabo escrevendo, porque treinei pra cacete pra conseguir escrever independente de estar inspirado ou não. O que acontece é quando a vida real não me deixa em paz e me dá picos emocionais e, por consequência, exaustão mental e física. Daí eu fico “sem cabeça” pra escrever, e quando tento fica bem ruim e amador.

Comparado à maioria dos escritores independentes na internet atualmente, eu não publico tanto, mas eu escrevo muito também.

Como você resolve isso?

Além de eliminado o principal fator que me entravava (os RPGs, porque eu me empolgava e depois só queria escrever com alguém), eu me esforço a escrever, leio livros e releio livros favoritos, anoto palavras, vejo filmes… Enfim, procuro tudo o que me inspira profundamente. Quando sinto mexer no meu coraçãozinho, tento arriscar.

2023: Faço as mesmas coisas: leio livros, vejo filmes, faço anotações… e saio mais de casa também. Às vezes dar um passeio, me ocupando com coisas leves, ajuda bastante. E jogo bastante videogame também. Porque às vezes eu só preciso esvaziar a cabeça, tirar o excesso de coisa que tá aqui dentro.

Essa coisa de RPGs, explicando pra quem não conhece: é que na internet existem (existiam? Deve existir ainda) sites como fóruns e blogs onde a galera criava um plot — tipo um reino ou uma cidade com tais características — e quem quisesse poderia criar uma ficha e inscrever seu personagem, daí cada pessoa cria um textinho com a ação dos próprios personagens e outra pessoa responde. Por exemplo: eu escrevo lá no Twitter que meu personagem tá sentado em uma clareira comendo mingau, pensado na vida; daí outro personagem de outra pessoa responde dizendo que surge entre as árvores e assusta meu personagem. Daí eles vão interagindo.

Eu fiquei viciado nessa merda. De um jeito ruim mesmo. Só tive dor de cabeça, porque as pessoas só sabiam misturar a vida real com os personagens delas, então, se meu personagem fazia algo que o outro “jogador” não gostasse, o “jogador” é que vinha tirar satisfação comigo em off. Por aí vai. Não me acrescentou em nada e me fez perder um tempo precioso de desenvolvimento de escrita. Mas acho que me meti nisso por carência emocional e fuga da realidade também, apesar de eu ser uma das poucas pessoas que sabiam separar ficção da vida real. :P

Escreve fanfiction?

Já escrevi, mas sempre com uma dificuldade imensa. Sou dos originais, onde meus personagens podem ser o que querem e ter seus próprios compromissos. Não consigo mais lidar com personagens dos outros, sempre acho que nunca ficará igual, que errarei feio em certas características e etc; mas o maior estímulo é o nascimento inestancável dos meus próprios, pedindo atenção.

2023: A resposta continua a mesma. Eu até tentei escrever fanfic de novo depois de assistir The Untamed e Word of Honor, mas não vai mesmo pra frente. Empaco demais com personagens que não são meus.

Mas, meu Deus, que agonia desse meu jeito de escrever na época. “Nunca ficará igual, que errarei feio” — a própria personificação do jovem adulto pedante.

Já escreveu algum romance ou um drama adolescente?

Olha, um bocado, inspirados nos mangás que eu lia. Acredito que de 2008 para trás.

2023: Que mentira! Um bocado nada, na época. O que eu menos tinha era romance e drama adolescente. Existir eles existiam, mas dizer “um bocado” é demais. Era um ou outro.

Atualmente sim é que eu tenho um bocado, porque são bem frequentes.

Você digita ou escreve à mão?

Os dois, e embore eu tenha todo um prazer escrevendo á mão, prefiro escrever as obras “oficiais” sempre no computador. Geralmente o que fica no papel é só tralha, e se raramente tenho algum rascunho dessas obras, acaba sendo transcrito pelo teclado apenas pela ideia, tendo muito pouco do que foi escrito de fato.

2023: Deus me livre escrever histórias à mão de novo. Mó trabalho pra passar pro computador.

Você salva tudo o que você escreve?

Sim. Sempre. Salvo até começos de ideias que me enojam, que podem ser um parágrafo. Não consigo deletar.

2023: Sim, mas não salvo mais as ideias que me enojam. (O que que raios me enojava na época que eu salvava?? Por que então eu salvava?? Wtf??)

Ainda tenho problemas em deletar as coisas, mas hoje eu já consigo olhar pra algo que não vou escrever ou reescrever nunca e questionar: “Eu preciso disso?”. Se não, eu deleto.

Você já voltou a alguma velha ideia que tenha abandonado?

Sempre estou fazendo isso, porque é frequente eu ter ideias às quais não me sinta apta para escrever no momento. Dou o máximo de mim, então, para desenvolver minha escrita e chegar ao que me pede aquela história.

2023: Grande parte das minhas histórias atualmente são ideias muito antigas que ou eu escrevi muito mal na época, mas acho que o plot é bom e dá pra melhorar; ou plots que eu sempre quis escrever e nunca me senti apto pra isso; ou plots reciclados mais de uma vez mesmo, que em tal conto em fiz de um jeito, mas no romance fiz de outro. Por aí vai.

Mas, é óbvio, eu também continuo tendo ideias novas a todo instante. Queria conseguir escrever essas ideias tanto quanto as concebo.

Qual é seu escrito favorito entre os que você fez?

Favorito? Também é dificílimo de responder, mas atualmente estou bem satisfeita com a Narcissus. Só que não sei qual posso chamar de favorito.

2023: Sei lá. Esse ano gostei muito de escrever Love At Midnight. Mas eu acho que eu só tenho um apego emocional grande por essa história atualmente por causa do contexto em que ela foi escrita, além de ser a versão amadurecida de várias outras tentativas minhas de escrever histórias nos anos 30.

Falar de Narcissus me dá até gatilho, porque não sei o que fazer com esse livro. É um livro que tá todo pronto desde 2013, se não me engano, mas a coisa ficou tão prolixa que eu não consigo arrumar (e tem que ser arrumado porque tem frases ininteligíveis), ao mesmo tempo em que eu sinto que não conseguiria reescrever, por falta de ânimo e porque acho que coloquei muita emoção no texto na época, e reescrever no meu contexto atual poderia esvaziar isso.

Qual é o seu escrito favorito que qualquer outra pessoa tenha feito?

Perguntas com favoritos são sempre cruéis. Quando penso em citar alguma coisa, percebo que não posso deixar de citar outras. Mas meus escritores favoritos são justamente meus amigos: Lahy, Jeff e ******. Cada um tem um aspecto particular que me encanta e me fez perturbá-los até virarmos amiguinhos. ♥

2023: O Livro das Perguntas, do Pablo Neruda. Na época eu acho que já amava esse livro.

Eu ainda tenho amigos dos quais sou muito fã, mas falando de escrito favorito da vida eu só consigo pensar nesse livro do Neruda.

Qual seu ambiente favorito para os seus personagens?

Gosto de paisagens naturais. Talvez seja por isso que grande parte das minhas tramas se passem em cidades pequenas, ou lugares isolados. Eu absolutamente amo descrever essas paisagens, principalmente neblinosas, campos e o oceano. Ah! O oceano…! ♥

2023: Gosto de vários. Acho que a maioria dos meus cenários é urbana. Naquela época eu realmente escrevia horrores com paisagens naturais, pra imitar os livros que eu lia mesmo. Hoje, além de eu obviamente colocar uns cenários bonitos e tal de acordo com a história, eu sou bem menos higienista, e coloco muitos desses cenários cotidianos que às vezes estão meio bagunçados, quebrados e de aparência suja; ou os cenários mais podres que eu conseguir imaginar mesmo.

Mas o oceano ainda é uma constante. Não enjoei não.

Qual é gênero sobre o qual você nunca escreve, e provavelmente nunca escreverá?

Ai, meleca. Eu já escrevi sobre tanta coisa que nem sei. Talvez aqueles sci-fi mais científicos, por eu simplesmente entender nada de ciência, por mais que adore saber a respeito. Mas é muita informação. De qualquer forma, se alguém lembrar de algo para essa pergunta, avise-me, por favor.

2023: Sei lá. Já escrevi uns sci-fis aí também, tenho até um livro pronto pra revisar há uns anos. Na época dessa resposta, eu acho que tava pensando especificamente em exploração espacial, e eu era ainda mais assustado e arisco com temas mais científicos por causa dos meus problemas no colégio e tal. Hoje em dia eu adoro acompanhar coisas de ciência.

Então não sei mesmo o que eu nunca escreveria. Tudo o que eu não escrevi ainda eu sempre tento escrever, nem que seja só pra mim, pra ver se eu consigo mesmo.

Em quantos projetos de escrita você está trabalhando atualmente?

Olha, somando as pastas em espera no computador e a lista de coisas no meu caderninho de anotações… Um milhão.

2023: Um bilhão.

Você quer escrever para viver?

Eu já escrevo para viver, porque vivo para escrever. É claro que é diferente do que entende a pergunta. Em todo o caso, antes eu pensava sim em levar meus trabalhos para o profissional; porém, tive frustrações, minha personalidade se diverge daquela sonhadora de antes, tampouco sei lidar com público e prazos. Com uma perda em massa de leitores, descobri que tenho muito mais prazer escrevendo para mim mesma, desobrigada de qualquer coisa, senão compromissada com esses personagens que se amontoam na minha mente e no meu coração.

2023: Quero. Mas no momento tô bem esgotado de dispender tudo sem resultados. Então é mais provável que eu só continue escrevendo a maior parte das coisas pra mim mesmo.

Ao mesmo tempo em que a minha resposta dessa época é constrangedora, é engraçada. Eu era bastante sonhador sim, só pessimista mesmo. Eu sonhava em ser descoberto por uma editora bacana que perceberia meu talento incrível, como eu era bom e diferente fazendo histórias LGBT+ de época. Tanto que em 2010 eu participei d’A Fantástica Literatura Queer — Volume Laranja, uma coletânea de contos da Tarja Editorial, pro qual eu fui selecionado e tal. Eu já tentava publicar na Amazon e outros sites como o Clube de Autores.

Mas acho que esse pessimismo, que parece até falso por causa do meu jeito pseudorebuscado de falar, era mais uma tentativa de parecer humilde pros outros apesar do meu grande intelecto (já que desde aquela época eu já parecia bastante arrogante) e, principalmente, pra dizer pra mim mesmo baixar um pouco a bola, sabe? Não perder a consciência de que sonhos tendem a não se realizar, ou não se realizam pra todo mundo.

Você já escreveu algo para uma revista ou jornal?

Não, mas tenho uma publicação em livro, que não foi escrita para o livro.

2023: Não.

Alguma vez você já ganhou um prêmio por sua escrita?

Cheguei a ficar em segundo lugar num concurso de poesia do colégio, participei de um concurso amador numa comunidade do Orkut… Mas mais nada. Também não me interesso por entrar em concursos. Primeiro por eu nunca ter ganhado nada dessas empreitadas, desde a infância, porque tenho um azar irremediável a qualquer tipo de “competição”; segundo porque acabo perdendo o interesse mesmo, em participar, além de as exigências não se encaixarem com o que me apraz, daí certamente não daria o meu melhor, e ganhar por algo feito de qualquer jeito seria mais frustrante ainda.

2023: Não.

Mas eu fiquei chocado com isso de eu ter ficado em segundo lugar num concurso de poesia. Eu não mesmo lembro disso. Eu só imagino que tenha sido num colégio específico porque foi o único ano em que eu estudei lá, então deve ter sido na 7ª série (2003?). Porque no outro colégio em que eu estudava não tinha essas coisas.

Anyway, a culpa também de eu não ganhar nada também é minha. Eu sigo sendo azarado, mas eu sempre tive certos problemas com concursos chamados: prazos e temas e bloqueio. Eu posso estar na minha fase mais produtiva da vida, mas, se eu vejo um concurso que me interessa, me dá bloqueio imediatamente; ou quando surge uma história ela extrapola demais o limite de palavras (se não me engano, O Príncipe E O Menestrel foi feito pra eu tentar entrar num concurso de histórias infantojuvenis).

Então sempre teve sim uns concursos que pensei em participar, ainda penso, mas eu mesmo acabo me atropelando sem querer e perdendo os prazos.

Já escreveu algum script?

Não. O mais perto disso foi diálogos. Mas já pensei em escrever. Escreveria se tivesse em que envolvê-los.

2023: Sim. Infamous.

Ainda escrevo bastantes diálogos. Adoro.

Quais são as suas cinco palavras favoritas?

Não faço a mínima ideia. Acredito que se tivesse palavras favoritas, as teria na ponta da língua agora. Mas gosto de palavras grandes, brandas e às vezes melancólicas, tipo “submerso”.

2023: Oceano, estrelas, luzes… e não sei mais. Mas ainda gosto de palavras melancólicas e referentes à luz (essas últimas por influência da escrita do George MacDonald, especialmente em inglês). Só não gosto mais de palavras grandes.

Qual personagem que você tenha escrito mais se assemelha a você?

Katie (Akumu). Não foi intencional, e nem foi o único da época. Ele é um dos personagens da minha segunda fase como escritora, e acredito que até certo período seja muito mais fácil/ constante a criação de alter-egos.

2023: Não sei dizer direito. Talvez o Felipe, de Meus Dois Amantes, pela personalidade só.

Que vergonha dessa resposta de 2012, meu Deus do céu. O Katie era o protagonista da primeira história de terror sanguinolenta que eu escrevi, e nunca teve absolutamente nada a ver comigo, em nenhuma fase da minha vida. Nem em personalidade, nem em aparência. O único motivo pelo qual eu posso ter colocado essa resposta é porque ele dava umas filosofadas rasas sobre a vida e só. O cara era basicamente um psicopata esquizofrênico que tinha um caso com um demônio, enquanto era perseguido por outros demônios.

Mas quando a gente é jovem a gente sempre se diz igual aos personagens/ídolos que a gente admira, né? Que nem esse monte de garotas fofas e felizes que dizem que a Wandinha, da série da Netflix, é muito elas.

De onde você tira ideias para os outros personagens?

Posso tirar ideias de tramas a partir de fotos, pinturas, filmes, músicas, livros e etc; mas os personagens são um caso em especial. Eles já vêm gesticulando comigo. Dificilmente eles se baseiam em alguém ou uma situação real, embora também tenha um bocado deles.

2023: Tiro de tudo. Inclusive olhando as pessoas à minha volta, pessoas na rua, relatos que me contam, etc.

Eu diria que hoje a grande maioria dos meus personagens se baseia em pessoas e situações reais. E por isso também eu acabei me distanciando mais da fantasia, eu acho.

Você já escreveu baseado em seus sonhos?

Sim, e um monte de coisas. Se eu não faço uma estória inteira dedicada a eles, estão sempre envolvidos com meus sonhos.

2023: Sim. Até quando eu sonhei que tinha uma ratazana na bolsa eu escrevi.

Você prefere finais felizes, finais tristes ou deixados em suspense?

Deixados em suspense/ aberto ou sugeridos. Gosto de escrever qualquer coisa que faça o leitor pensar, ainda mais sobre os finais, tentando adivinhar o que houve e como houve.

2023: Ainda prefiro os deixados em suspense, os famosos finais abertos. Porque ainda é o que mais gosto de consumir e tal. Mas gosto e escrevo de tudo, porque cada trama pede um final diferente.

Você é preocupado com pronúncia e gramática enquanto escreve?

Demais. Tanto com a pronúncia/ sonoridade quanto com a gramática em si. Tenho que ficar pesquisando sobre tudo e qualquer coisa o tempo todo, mas até a utilidade dos verbos vou caçando durante a escrita pra me certificar do que quero transmitir e da regularidade do texto. Acredito que a gramática sejam essencial para o esclarecimento do texto. Quanto as normas em geral, depende de cada autor e daquilo que quer passar.

2023: Agora que eu sei muito mais de gramática do que antes, eu ligo menos pra gramática do que pra “pronúncia” do texto.

Porque eu quero que minha história se expresse — que dê ao leitor todas as emoções e sensações e reflexões que o texto carrega em si. Pra isso acontecer, às vezes eu tenho que mudar o ritmo da frase, ou usar um vocabulário mais coloquial, ou adaptar as funções da pontuação à minha narrativa, etc. E isso inevitavelmente quebra as regras de gramática, ou foge do padrão literário que as pessoas estão acostumadas a ler, com frases devidamente pontuadas e todos os personagens falando sem contrações, gírias e esbanjando ênclises.

Então é bem comum as pessoas pegarem Meus Dois Amantes, por exemplo, e acharem que o livro tá simplesmente cheio de erros e que eu não sei escrever direito.

Música te ajuda a escrever?

Não consigo nem escrever sem. Me fazem visualizar tudo, queimam borboletinhas no meu estômago.

2023: Não sei o que aconteceu que hoje em dia que, mesmo quando faço trilha sonora pras minhas histórias, música cantada me tira a concentração. Há casos em que eu coloco uma música no repeat pra escrever alguma cena específica dentro de um certo clima, com uma certa emoção; mas é raro, e eu geralmente escolho as músicas só pra eu ficar imaginando as cenas mesmo, antes de escrever, pra sentir o clima e a emoção que eu quero transmitir.

Mas eu sempre preciso escrever com algum barulhinho nos fones de ouvido. Geralmente é ASMR, ou sons de ambiente (por exemplo: no episódio Estrada, da Roads, eu coloquei no Youtube sons de carros dirigindo na chuva em estradas e de chuveiro :P, porque tinha cenas assim e eu queria me sentir no ambiente).

Cite alguma coisa que você tenha escrito. A primeira coisa que venha à sua mente.

No fim, cambaleei nas aperturas das construções sem nenhuma solução votada, e escorei-me na parede de qualquer beco para achar o sobrecéu cintilante das longínquas paredes. Desvalidavam-se todas as propostas de segurança sob a voz rebramada de meu peito. Podia escutar meus próprios batimentos quando pensava em Ana. Todos eles. Acreditava que minha sinfonia histérica repletava a comuna.

─ Quebrantos (2012)

2023: Não me vem nada de imediato em mente, até porque eu escrevo tanta coisa que fica difícil lembrar de algo específico aqui do nada.

Mas, pra não ficar sem um trecho em 2023, vou pôr uma citação de Love At Midnight:

Nós só percebemos a mudança quando ela já está concluída, quando há um grande contraste entre o começo e o fim. Atualmente, estamos em uma zona cinza, em relação a muitas coisas.

Love At Midnight (2023)

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𝐌𝐄𝐌𝐎𝐑𝐈𝐀𝐋𝐀𝐃𝐃𝐑𝐄𝐒𝐒

𝐊𝐘𝐑𝐀𝐍 // 𝐄𝐬𝐜𝐫𝐢𝐭𝐨𝐫 𝐩𝐞𝐬𝐬𝐢𝐦𝐢𝐬𝐭𝐚 & 𝐑𝐞𝐯𝐢𝐬𝐨𝐫 𝐩𝐞𝐝𝐚𝐧𝐭𝐞 — http://memorialaddress.org